quarta-feira, 30 de março de 2005

Ouve-me

Ouve...
Não me posso mover
Há um prego ferrugento, cravado em minha alma, por mãos que não as tuas...
Tão firmemente cravado.

Ouve...
Não me posso mover
Porque em certas alturas esse prego e esse doloroso cravar alastra-se à alma por inteiro e redu-la ao tamanho apertado do peito e deixa-a lá dentro, asfixiando. e então o pé duro da realidade instala-se sobre ele, imponente e avassalador.
Perco movimentos e vontades.

Ouve...
Não me posso mover
Estou estrangulada.
Alguém fez arder no meu cérebro este pensamento de fim, um desejo incontido de inexistencia. Consumo-me.
Esta noite acordei de hora a hora, só para pensar a morte. Abri a janela fumando cigarros, não te pensei, não te queria sequer a meu lado. Esqueci-me e só depois esqueci-te. Apenas ela tomava o meu corpo, o meu espirito obsessivo. Imaginá-la até desistir finalmente.

Ouve...
Não me posso mover
Tremo o temor da morte. Anagramas apenas. Pois treme-me o corpo como o de um drogado privado do que é o seu desejo mais incontido, mais desesperdo.
Esta minha incapacidade de rebeldia contra este habito destrutivo é apenas mais uma destruição que não posso (talvez não queira sequer) evitar.
Enrolo-me em dor sobre a minha própria dor. Neste buraco negro tudo se adensa e avulta.

Ouve...
Não me posso mover
Não tenho sequer um único pensamento sádio. Procuro na carne a punição de todos os erros e desacertos e por momentos o rasgar da lâmina oferece-me uma paz de quietude e silêncio. Momentos rápidos, milésimos de segundos e então respirar é novamente possivel, apenas nesses instantes. E ganho um curto espaço que a dor pode vir a ocupar sem me devorar completamente.

Ouve...
Não me posso mover
Se arriscasse mais que esta imobilidade todos os meus dedos a procurariam, todos os meus movimentos iriam de encontro a essa quietude silênciosa que ela promete.

Ouve...
Não me posso mover
Nem gritar sequer.
Rasgo mentalmente a carne, aproveitando a restea de pensamentos que me permitiria pedir ajuda. Entrego-me silenciosa dos braços da dor e suspiro.
Esta inexistência já nem a mim comove.
Acabo lenta, carrasco de mim própria. É a Morte que chamo.

Tu não ouves...

by, Ar, 30 de Março, 05

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